quinta-feira, 31 de maio de 2012

A Perversão e A Psicanálise

ASSOCIAÇÃO EDUCATIVA E CULTURAL DE CAMAÇARI
Alunos:
Eudaldo F. Medrado, Ana Caroline e Clariézer Oliveira

Professor:
Gerfson Moreira Oliveira

Disciplina:
Teorias e Sistemas( Psicanálise)

Conceito de Perversão
A escola psicanalítica francesa é marcada pelo conceito de estrutura clínica, onde se destacariam três estruturas: a neurose, a psicose e a perversão. Está ligado a este conceito um determinado modo de funcionamento da mente, um modo de relação do sujeito com o outro e com o seu desejo, sendo este modo algo rígido e imutável.
E dentro do conceito de estrutura os modos de funcionamento da histeria e da perversão tendo que pensar em que diferiam e em que se assemelhavam; se por um lado pareciam coisas absolutamente diferentes, por outro há uma interface capaz de provocar bastante confusão.
Tendo em mãos a teoria do complexo de Édipo e do complexo de castração, houve um avanço substancial na compreensão tanto das neuroses (“o complexo de Édipo é o núcleo das neuroses”) como das perversões.
Freud fez questão de manter o termo “castração” para ser usado na época em que a criança ingressa na fase fálica. Refere-se a uma fantasia que a criança tem ao perceber que as mulheres não tinham pênis. Diante desta percepção, o menino conceberá a ideia de que houve uma castração (e não que o sexo das mulheres é diferente do dele) e logo a seguir surge a ideia de que se ele não abandonar seu objeto de amor, será castrado também. Quando a criança se dá conta disto, ela se depara com a percepção de que sua mãe é incompleta, não mais onipotente como antes imaginou, e se depara com a percepção do desejo entre os pais que se sustenta na diferença dos sexos. É o momento que perceberá também que esteve enganado o tempo todo sobre o “seu saber”.
É ao se deparar com a falta que o sujeito pode se constituir como sujeito do desejo. É neste momento que se dá conta da dependência do outro.
Tanto o individuo histérico quanto o perverso parecem ter um enroscamento justamente nesta fase, apesar de que no período pré edípico já ocorreram uma série de vicissitudes que marcarão a entrada, tanto do histérico como do perverso, no complexo edípico e na fase fálica.
Em seu texto sobre o fetichismo , Freud vai dizer que o fetiche é um substituto para o pênis, não para qualquer pênis, mas para o pênis que o menino antes acreditou que a mãe possuía. Através do fetiche, há uma recusa em aceitar a percepção de que a mãe não tem pênis. Neste mecanismo, a percepção não é inteiramente apagada. Freud diz: “não é verdade que, depois que a criança fez sua observação da mulher, tenha conservado inalterada sua crença de que as mulheres possuem um falo”. Reteve essa crença, mas também a abandonou.
Freud ressalta o horror que o fetichista sente ao se deparar com a castração.
Penso que este intenso horror pode estar ligado à concretude com que o perverso compreende a idéia de castração, algo que exige um mecanismo engenhoso para dar conta de algo que não consegue ser simbolizado.
Como Freud nos esclarece, o fetiche é e ao mesmo tempo não é o pênis, ele diz “a mulher teve um pênis, mas esse pênis não é mais o mesmo de antes” – a percepção não pode ser apagada, o fetiche está lá para negar a ausência do pênis, mas ao mesmo tempo é aquilo que sempre lembra esta ausência, lembra que algo está no lugar do pênis ausente (isto é um dos pontos de diferenciação do perverso em relação ao psicótico). Haverá um lado que se ajusta ao desejo e outro que se ajusta à realidade e ambos caminham juntos. O fetichismo é o ponto de partida para a perversão, o que está em jogo é a crença na onipotência da mãe ou, dito de outro modo, crença na feminilidade fálica. É preciso dizer também que o fetiche, que tem como finalidade ocultar a falta, pode ser direcionado a qualquer coisa. Ou seja, qualquer coisa pode ser “fetichizada” – ou, dito de outro modo, o perverso pode se valer de várias artimanhas em que o mecanismo central é o do fetiche. O fetiche é o equivalente do pênis da mãe, há o uso de uma equação simbólica e não de um símbolo como o histérico é mais capaz de fazer, denunciando uma menor capacidade de simbolização do perverso perante o histérico. Já o histérico não tenta mitigar a castração: a castração existe, mas ele tenta fazer com que quem seja castrado seja o outro e não ele. É o outro que fica no lugar da falta.
Numa relação em que o perverso ocupa um lugar masoquista – um lugar essencialmente de submissão não deixa de existir a fantasia de que alguém ocupa o lugar fálico e ainda: o masoquista é aquele que outorga ao outro o direito de dominar sua vida, é ele quem “tem o poder extremo de investir outro da potência fálica”. O perverso tentará provar o tempo todo que a castração não existe.
Tanto o perverso quanto o histérico estão tentando lidar com a questão da castração para se defender da castração, o perverso irá usar um mecanismo mais poderoso que a repressão (usada com frequência pelo neurótico) que é a recusa. Ele tentará provar o tempo todo (no fundo, para si mesmo) que a castração não existe, ou que quem a faz é ele ou que a castração é “de mentirinha”, de brincadeira.
E nesta noite iremos nos ater na estrutura da perversão e para começar a nossa apresentação iremos da significado etimológico da palavra “perversão” deriva do verbo latino pervertere resulta de “per” + “vertere” (quer dizer: pôr às avessas, desviar..), o que significa tornar-se perverso, corromper, desmoralizar, depravar designa o ato de o sujeito perturbar a ordem ou o estado natural das coisas. Seu emprego não é privilégio da psicanálise. Tem origem datada em 1444 quando utilizado no sentido de retornar ou reverter, ganhando cedo a acepção de “deplorável”, algo desprezível. No entanto, em um sentido mais estrito, a maioria dos autores, mesmo na atualidade, mantém uma fidelidade a Freud e defende a posição de que, em psicanálise, o termo “perversão” deve designar unicamente os desvios ou aberrações das pulsões sexuais, mesmo reconhecendo a existência de outros impulsos, como aqueles ligados à pulsão de morte.
Outro ponto que deve ser bem enfatizado é o que refere à necessidade de que se estabeleça uma distinção entre “perversão” e “perversidade”. Laplanche e Pontalis (1967) assinalam que existe uma ambiguidade no adjetivo “perverso”, que corresponde aqueles dois substantivos: enquanto “perversão” alude a uma estrutura que se organiza como defesa contra angustia, a palavra “perversidade” refere-se a um caráter de crueldade e malignidade. Assim, o perverso ( no sentido de “perversão”) não busca primariamente a sensualidade; antes, essa comporta-se como uma triunfante válvula de escape maníaca contra as ansiedades paranóides e especialmente, as depressivas. A figura da perversão tem gerado controvérsias no seio da teoria psicanalítica, não apenas no que concerne ao seu status diagnóstico, mas também no que toca à própria procedência ética e ideológica do uso desse termo. Freud empregou-o em alguns momentos distintos de sua obra, delineando com ele, inicialmente, uma forma de conduta sexual em que as fantasias ligadas à sexualidade pré-genital eram atuadas e não mantidas sob recalque. Mais tarde, a perversão foi ganhando um contorno mais nítido como categoria psicopatológica e diagnóstica, ao lado daquelas da neurose e da psicose, sem, no entanto, ter sido circunscrita e definida com a mesma precisão, com que o foram estas ultimas. Freud pouco ou nada se referiu a clínica da perversão. (Ferraz, Carvalho)
 
Estrutura da perversão segundo Freud
Todo o problema das perversões consiste em conceber como a criança na sua relação com a mãe, relação constituída na análise não pela sua dependência vital, mas pela sua dependência de seu amor, isto é, pelo desejo de seu desejo, identifica-se ao objeto imaginário deste desejo enquanto que a mãe ela mesma o simboliza no falo. (Lacan,Écrits,p.554) Desde a época da teoria da sedução, Freud se viu às voltas com o problema da perversão ele já se perguntava o que, afinal, diferenciava uma perversão de uma neurose. Esta questão vai persegui-lo durante muito tempo. Desenvolvendo a sua teoria a partir do ponto de vista da neurose, por outro lado, percebendo que a perversão era uma disposição geral, original da pulsão sexual, Freud encontra dificuldades em conceituar a perversão, diferenciado-a da neurose. O polimorfismo da sexualidade e o fato de que os desvios se encontram em quase todos os seres humanos, vai levá-lo à famosa formulação: a neurose é o negativo da perversão. Tal fórmula vai dar lugar a uma avalanche de interpretações abusivas, onde a neurose é sempre identificada como o resultado de um recalque patológico, enquanto a perversão seria exatamente o resultado da falta de recalque. Ou, em outras palavras, a perversão seria fruto da falta de elaboração das pulsões parciais.
Houve inúmeras frases de Freud que se tornaram célebres e sem dúvida nenhuma uma delas foi: “A neurose é o negativo da perversão”. Através desta ideia Freud destacou que as fantasias dos neuróticos e dos perversos são as mesmas. Aliás, ele foi genial ao ir mais além, quando mostrou que toda criança era dotada de uma sexualidade e que esta era perversa polimorfa, conforme seus “Três Ensaios”.
Deste modo, uma primeira diferenciação a ser feita entre a neurose e a perversão se dá não pelo tipo de desejo sexual, mas por que modo este pode se expressar. Para o neurótico, o desejo vai se expressar pela formação do sintoma que é uma formação de compromisso entre o desejo e a censura. Já no perverso o desejo aparece pela via da atuação, ou, dito de outro modo, o perverso age, ele encena o desejo. Enquanto o neurótico vive sua sexualidade na fantasia, o perverso a vive através da atividade, da ação.
O conceito de estrutura perversa e vai defini-la a partir deste momento em que o perverso é confrontado com a realidade da diferença entre os sexos, algo que começa a se instituir nesta fase. O perverso tem uma vivência da ordem do horror no confronto com a diferença dos sexos e nisto está a confirmação de que ele está condenado a perder o objeto do desejo (a mãe) assim como o seu pênis. Ele não consegue reconhecer que ao renunciar à mãe, ele está abrindo as portas para o desejo por outras mulheres, ao reconhecer que há uma Lei, ele pode ter garantido para si o estatuto de sujeito desejante.
Nas pessoas não psicóticas e não perversas, a descoberta da diferença dos sexos tem um efeito de fascinação nos órgãos sexuais, pois eles presentificam a diferença entre os pais e o jogo do desejo. A diferença sexual é o símbolo da diferença entre as pessoas. O perverso tem horror diante disto porque para ele é algo brutal, a castração é algo real para ele.
Podemos entender em Freud duas concepções distintas sobre o termo perversão:
1ª ) Está ligada à estrutura básica da sexualidade infantil.
2ª ) Irá se reportar ao momento da Castração e do Complexo de Édipo, fortes componentes culturais na constituição do sujeito psíquico.
A concepção, expressa nos três ensaios sobre a sexualidade (1905), podemos caracterizar a neurose como o negativo da perversão, ou seja, aquilo que uma pessoa neurótica reprime e pode gratificar somente simbolicamente através de sintomas, o paciente com perversão a expressa diretamente em sua conduta sexual.Segundo Freud ele diz que a perversão sexual resulta de uma decomposição da totalidade da pulsão sexual em seus primitivos componentes parciais, quer por fixações na detenção da evolução da sexualidade, quer por regressão da pulsão a etapas prévias à organização genital da sexualidade. A ideia principal desse primeiro momento do desenvolvimento da teoria é que a Perversão estaria configurada a partir de um predomínio das pulsões parciais (pré-genitais) sobre a genitalidade. Dessa forma, o sujeito que desviava do comportamento sexual da norma (genital e direcionado aos fins de reprodução), produzindo um investimento libidinal em um objeto de desejo perverso, não teria feito a entrada no Complexo de Édipo, o que por fim permite dizer que o Perverso não experimentaria o medo da castração.
Freud traz a existência da atividade sexual infantil, sendo ela modelo para a sexualidade adulta, bem como a condição da criança de “perversa polimorfa”, que aos poucos seria moldada de acordo com padrões e normas ditadas pela cultura. Essa noção da cultura sobrepondo-se à perversão remete à origem do termo como sendo uma fuga da norma social.
A noção de pulsão é essencial para o entendimento da sexualidade em Freud. Ela pode ser descrita como uma descarga de energia que flui continuamente impulsionando o sujeito na busca de sua satisfação. O objeto, segundo Freud (1996[1915]), “É o que há de mais variável na pulsão e, originalmente, não está ligado a ela, só lhe sendo destinado por ser peculiarmente adequado a tornar possível a satisfação”. Por isso não existe um objeto único ao qual o sujeito deverá ligar-se para satisfazer suas fantasias, havendo, portanto, uma normalidade subjacente a diversas práticas sexuais que poderiam ser consideradas “depravadas”.
A metapsicologia freudiana tem duas explicações para a perversão: a primeira é decorrente da polimorfia da sexualidade infantil e a segunda, do fetichismo, como recusa à castração (Valas, 1990). Tanto as psiconeuroses, como as perversões são concebidas como resultados de distúrbios do desenvolvimento psíquico-individual. Na obra de Freud encontramos a ideia sobre perversão em constante movimento, até chegar à construção sobre a resolução do Édipo, resolução diferenciada entre neuróticos, psicóticos e perversos. Ele aproxima neuróticos e perversos, afirmando que um é o negativo do outro; o que é recalcado e inconsciente no neurótico corresponde ao atuado no perverso.
No livro Três ensaios sobre a sexualidade (Freud, 1905/1995a), temos a sexualidade infantil, a partir do perverso polimorfo e da ideia de que a satisfação sexual infantil não se dá por uma única zona erógena, mas de forma generalizada por todo o corpo, ainda não fixado à satisfação genital; o mesmo ocorreria na perversão, por meio de uma fixação, numa pulsão parcial que escapou ao recalque. A distinção entre perversão e normalidade estaria na fixação, na exclusividade de uma determinada prática para alcance da satisfação sexual. Porém, ao final do texto, ao falar da escolha objetal (definida a partir da resolução edípica e dos conteúdos pré-genitais), Freud aponta que a perversão tem uma relação com a castração.
Freud continua sua elaboração da perversão em Teorias sexuais infantis (1908/1995b) e, em Análise de uma fobia de um menino de cinco anos (1909/1995c), destaca a recusa da criança em aceitar a falta fálica da mãe, que resulta numa ideia fundamental à sua conceituação da perversão: a recusa da percepção infantil da castração da mãe retorna na figura da mulher com pênis, dando origem à fantasia da mulher fálica.
Em Fetichismo (1927/1995e), Freud apresenta o objeto-fetiche como um substituto do pênis, mas não de qualquer pênis; é o substituto do pênis materno, em que o menininho outrora acreditou e não quer abandonar. No desenvolvimento do perverso, ele viveria a castração materna como algo insuportável e criaria um objeto que esconderia a falta materna, o fetiche. O fetichista fica preso a uma atitude infantil, de forma a negar, desmentir a castração feminina; ao mesmo tempo em que a reconhece, sabe da diferença sexual. Freud usa o termo verleugnung, termo que designa que o sujeito sabe e não quer saber sobre a castração. Forma-se uma solução de compromisso pelo conflito entre a percepção desagradável e a força de seu contra-desejo.
A organização psíquica de um sujeito é decorrente dos caminhos do Édipo, na relação que o sujeito mantém com a função fálica. É a metáfora paterna que estrutura o sujeito, pois possibilita o recalque originário e o processo de simbolização da Lei. A mãe não tem o falo; logo, seu bebê o é. Ser o falo para preencher a falta da mãe causa angústia, a mesma de ser engolido por ela. A resposta a essa angústia é uma ilusão; cria-se um falo para a mãe e ela, tendo o falo, deixa o sujeito respirar. O perverso coloca o fetiche como substituto do falo faltante à mãe, que o protege da angústia do desejo dela e de ser engolido pelo desejo do Outro. Na perversão, a criança assume o lugar fálico, retirando o pai desse lugar, obviamente com autorização materna para isso.
O perverso tem um enorme trabalho cotidiano para não se deparar com a castração; ele tem que teatralizar o tempo todo, seguir papéis rígidos, de forma a não deixar aparecer a falta, e se proteger contra a angústia da castração. Precisa manter sua imagem, seu teatro. Para que isso seja possível, procura parceiros que ocupem o lugar do fracasso, da falta, e o neurótico cai bem nesse lugar. Quem pensa que o perverso determina sua ação pelo seu desejo, que ele trabalha para satisfazer seus próprios desejos, se engana. O perverso tem pavor do desejo porque este o colocaria diante da falta e ele é escravo do desejo da mãe, daquela posição fálica inicial edipiana. O perverso se dedica a tampar o furo no Outro; portanto, ele não o despreza; o que ele imagina é poder assegurar o gozo do Outro.
Lacan argumenta que os objetos–fetiche são construções que organizam, ou articulam, a vivência da castração. Demonstra a função do véu ou cortina, que esconde e designa. Esconde a falta materna, ao mesmo tempo em que a necessidade do véu aponta a falta, em um jogo de ilusão. Teremos diferentes consequências na sexualidade, se o sujeito estiver diante do véu ou atrás dele. Nos casos de exibicionismo e travestismo, o véu funciona como proteção, o sujeito está identificado com a posição feminina fálica. No fetichismo, o sujeito se identifica com aquilo que falta à mãe, o falo. É importante notar que o perverso precisa de testemunha, presença, olhar. Esse terceiro convidado a ser cúmplice na cena perversa nada mais é que a mãe, aquela a quem ele está preso, tentando ser o falo dela; por isso precisa do testemunho de que ele consegue driblar a lei.
Seguindo os passos da ampliação do âmbito sexual para a posição subjetiva, podemos compreender o perverso preso a esse lugar de sustentação do falo, desafiando a Lei, o que abre as portas para a transgressão, o desafio à lei, para a postura perversa, desafiadora, provocadora, de quem se comporta como detentor do falo. O fetiche pode ser um chicote ou o poder; os perversos podem se exibir de diferentes formas e a palavra pode ser seu falo.
Embora o sentido que a psicanálise freudiana tenha dado ao termo perversão guarde diferenças em relação ao seu emprego pelo saber médico do século XIX, não podemos negar as semelhanças quanto à apreensão do significado desse termo nessas duas tradições de pensamento. As classificações e descrições que Krafft-Ebing e Havelock Ellis faziam das diversas formas de perversão sexual foram cuidadosamente examinadas por Freud e adotadas na elaboração dos “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” de 1905. Para uma melhor compreensão do pensamento freudiano relativo à perversão, achamos pertinente uma breve digressão das posições de Freud no que concerne à sexualidade. Para tanto, partimos da teoria da sedução em direção à revolução provocada pelo descobrimento do “efeito arrebatador de Édipo-Rei” (1897).
A perversão se caracteriza como um construto teórico-clínico complexo, polêmico e de difícil consenso entre as diversas orientações teóricas que compõem a psicanálise. Trata-se de um tema que agrega uma pluralidade de discursos que o articulam em vários níveis e determinações múltiplas.
Elisabeth Roudinesco (2007), a perversão é um fenômeno sexual, político, social, físico, trans-histórico, estrutural, presente em todas as sociedades humanas e questiona: O que faríamos se não mais pudéssemos designar como bodes expiatórios, ou seja, como perversos aqueles que aceitam traduzir por seus atos estranhos as tendências inconfessáveis que nos habitam e que recalcamos. Ao dar uma dimensão histórica à perversão, Roudinesco nos remete à essência do pensamento freudiano sobre o tema, fazendo-nos refletir sobre nossas próprias moções pulsionais perversas.
Muitos são os tabus e os códigos de conduta presentes na sociedade ocidental que, até hoje, ditam uma normatização utópica para o desejo. A ideologia religiosa, por exemplo, sempre subjugou e restringiu as possibilidades de uma vivência sexual que levasse em consideração a visão psicanalítica de uma pulsão sexual infantil diversificada, anárquica, plural, parcial, bissexual e perversa, subjacente a toda e qualquer constituição psíquica. Do Código de Moisés aos dias atuais, o sexo sempre foi relegado pelas religiões ancoradas na tradição judaico-cristã a um estado inferior, passível de condenações, restrições e punições divinas e humanas
No século XIX, a psiquiatria divide as perversões em dois tipos, de acordo com sua origem: as adquiridas, por condições de restrição ambiental; e as verdadeiras, ligadas à concepção hereditário-degenerativa. Em meio a essas concepções, Freud começa seus estudos sobre a perversão e caminha de uma descrição das perversões sexuais para uma teorização do mecanismo geral da perversão. Freud no inicio da sua obre tenha feito algumas alusões à vinculação entre zonas erógenas com as perversões, como aparece em 1896, na correspondência com Fliess (carta 52), foi a partir de seu clássico trabalho de 1905 Três ensaios sobre uma teoria sexual que ele dedica um estudo mais sistemático e consistente sobre as perversões sexuais, assim definindo o que se conhece como a sua primeira teoria sobre as perversões sexuais. Freud ensaia um estudo das perversões que por meio dessas, poder demonstrar a existência da normalidade e dos desvios da sexualidade infantil. Vale lembrar que Freud neste trabalho aborda três aspectos do estudo sobre as perversões:
a) Como resíduo da sexualidade infantil, ligada à fixação em certas zonas erógenas.
b) Como negativo das neuroses.
c) Como um estágio evolutivo normal.
Exemplo: Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância, no qual ele aborda aspectos referentes à psicossexualidade e à criatividade artística desse genial artista e sua homossexualidade, que Freud  situa na primeira relação com sua mãe, desde a amamentação, o que vem a determinar uma identificação do menino com a mãe, tudo marcando o inicio da sua segunda teoria sobre as perversões.
Em 1914 Freud sobre o narcisismo aborda a escolha dos objetos homossexuais, embora, na atualidade, seja discutível se a homossexualidade deve ser encarada como perversão. Em seu trabalho Uma criança é espaçada ele estuda o sentimento de culpa devido às fantasias incestuosas e atribui aos castigos físicos impostos pelo pai, e erotizados pelas crianças, a causa responsável pela gênese do masoquismo e da homossexualidade.
 
Perversões Sexuais ou Parafilias
As parafilias, antigamente chamadas de perversões  sexuais, são atitudes sexuais diferentes daquelas permitidas pela sociedade, sendo que as pessoas que as praticam não têm atividade sexual normal, ou seja, a sua preferência sexual “desviada” se torna exclusiva.
Tais atitudes (exceto a pedofilia) podem estar presentes em pessoas com vida sexual normal, apenas sendo uma variação da maneira de se obter prazer, sem que se caracterize um transtorno. Para se tornar patológica essa preferência deve ser de grande intensidade e exclusiva, isto é, a pessoa não se satisfaz ou não consegue obter prazer com outras maneiras de praticar a atividade sexual.
É importante ressaltar que ela se torna exclusiva porque exclui o normal, mas pessoas parafílicas podem ter dois ou mais tipos de parafilias ao mesmo tempo.
As parafilias são praticadas por uma pequena porcentagem da população, mas como essas pessoas cometem atitudes parafílicas com muita frequência e repetição, tem ocorrido um grande número de vítimas delas.
Em geral, as perversões sexuais são mais comumente vistas em homens, e o tipo de parafilia mais comum é a pedofilia.

Os tipos de Parafilia
Exibicionismo
É quando a pessoa mostra seus genitais a uma pessoa estranha, em geral em local público, e a reação desta pessoa a quem pegou de surpresa lhe desperta excitação e prazer sexual, mas geralmente não existe qualquer tentativa de uma atividade sexual com o estranho. As pessoas que abaixam as calças em sinal de protesto ou ataque a preceitos morais não são exibicionistas, pois não fazem isso com finalidade sexual.  
Fetichismo
É quando a preferência sexual da pessoa está voltada para objetos, tais como calcinhas, sutiãs, luvas ou sapatos, sendo que a pessoa utiliza tais objetos para se masturbar ou exige que a parceira sempre use o objeto em questão durante o ato sexual, caso contrário não conseguirá se excitar e realizar o ato sexual.
Fetichismo transvéstico
É caracterizado pela utilização de roupas femininas por homens heterossexuais para se excitarem, se masturbarem ou realizarem o ato sexual, sendo que em situações não sexuais se vestem de forma normal. Quando passam a se vestir como mulheres a maior parte do tempo, pode haver um transtorno de gênero, tipo transexualismo por baixo dessa atitude. É importante ressaltar que o fetichismo transvéstico também só é diagnosticado como uma parafilia quando é feito de forma repetitiva e exclusiva para obter prazer sexual.
Frotteurismo
É a atitude de um homem que para obter prazer sexual, necessita tocar e esfregar seu pênis em outra pessoa, completamente vestida, sem o consentimento dela, excitando-se e masturbando-se nessa ocasião. Isso ocorre mais comumente em locais onde há grande concentração de pessoas, como metrôs, ônibus e outros meios de locomoção públicos.
Pedofilia
Envolve pensamentos e fantasias eróticas repetitivas ou atividade sexual com crianças menores de 13 anos de idade. Está muito comumente associado a casos de incesto, ou seja, a maioria dos casos de pedofilia envolve pessoas da mesma família (pais/padrastos com os filhos e filhas). Em geral o ato pedofílico consiste em toques, carícias genitais e sexo oral, sendo a penetração menos comum. Hoje em dia, com a expansão da internet, fotos de crianças têm sido divulgadas na rede, sendo que olhar essas fotos, de forma freqüente e repetida, com finalidade de se excitar e masturbar-se consiste em pedofilia.
Masoquismo e Sadismo Sexual
Existe masoquismo quando a pessoa tem necessidade de ser submetida a sofrimento, físico ou emocional, para obter prazer sexual, e o sadismo é quando a pessoa tem necessidade em infligir sofrimento (físico ou emocional) a um outro, e disso decorre excitação e prazer sexual. O mais comum ao se pensar em sadomasoquismo é associar o sofrimento a agressões físicas e torturas, mas o sofrimento psicológico também pode ser considerado forma de sadomasoquismo, e consiste na humilhação que se pode sentir ou impor. Atos sadomasoquistas só serão considerados parafilias quando forem repetitivos e exclusivos, sendo que quando eles ocorrem ocasionalmente, dentro de um relacionamento sexual normal, são apenas formas alternativas de prazer, e não uma perversão.
Voyeurismo
É quando alguém precisa observar pessoas que não suspeitam estarem sendo observadas, quando elas estão se despindo, nuas ou no ato sexual, para obter excitação e prazer sexual.
É importante ressaltar que essas condições só serão consideradas doenças quando elas forem a única forma de sexualidade do indivíduo, e que a tentativa dele em recorrer a outras formas de sexualidade para obter prazer sexual geralmente serão fracassadas, o que levará a pessoa a continuar insistindo na mesma atitude.
As parafilias decorrem de alterações psicológicas durante as fases iniciais do crescimento e desenvolvimento da pessoa. Em geral pessoas que apresentam tais problemas não buscam tratamento espontaneamente, o que só acontecerá quando seu comportamento gerar conflitos com o parceiro sexual ou com a sociedade. Sendo assim, tais pessoas aparecem em consultórios psiquiátricos trazidas contra sua vontade ou são presas por serem flagradas ou denunciadas.
O tratamento se constitui em tratamentos psicológicos (psicanálise, psicoterapias) e, ou uso de algumas medicações.
O tratamento dependerá da avaliação do caso específico de cada paciente e em geral não se consegue uma boa resposta, ou seja, é muito difícil ter melhoras nesses casos.
 
Pós- Modernidade e a perversão
O termo ‘perversão’ abrange hoje um campo de significações extremamente amplo. Para além de seu sentido moral (presente na linguagem natural) e de seu sentido psicopatológico (presente na linguagem científica), a significação do termo ‘perversão’ possui também uma vocação heurística. Com efeito, à medida que a Psicanálise revela a participação das estruturas psicopatológicas no funcionamento normal, a perversão pode ser considerada uma chave interpretativa de numerosos processos sociais da atualidade. A economia de mercado, por exemplo, uma vez que depende do consumo, tem desenvolvido tecnologias de coerção psíquica, na qual participam processos psíquicos evidenciados pela psicopatologia da perversão. De modo que o apelo ao consumo tem adquirido a importância crescente na vida cotidiana e, assim, processos psíquicos até agora exclusivos à perversão enquanto patologia passam a ter presença cada vez maior na cultura. À medida que há uma cultura de massa organizada para a produção do consumo, cuja presença tem se tornado hegemônica nos processos psicossociais, pode-se conceber uma banalização da perversão a ela atrelada.
 
Conclusões
Num mundo globalizado como o nosso, no qual se faz necessária a luta contra o perigo representado pelo processo de aculturação, a fim de não se perderem os traços característicos de cada raça, de cada povo, urge a discussão da perversão, seja ela estrutura, seja ela montagem.
Apesar da escassez de estruturas perversas em consultórios de psicanálise, não raro elas estão nas instituições, na política, na polícia, no mundo das artes ou onde brilhe o bastão fetichizado do poder. Pode-se admitir o poder como um fetiche supremo para tamponar o vazio deixado pela castração tão insuportável ao perverso.
Por outro lado, pensa-se nas montagens e nas relações dos casais perversos como ramificações, ou melhor, derivações desta estrutura em que é possível ao neurótico aceder a um pouco desse gozo que lhe é negado por estrutura. Nessas relações eles escapam da responsabilidade pelo ato perverso sempre imputado ao outro da relação: são funcionários exemplares, pais extremosos, ou ainda vítimas buscando o sofrimento nas diferentes relações. A eles sobra um resto de gozo.
Para finalizar, é mister referir-se à perversão nossa de cada dia, a sexualidade perverso-polimorfa. Vive-se um momento histórico em que a sexualidade está em evidência e é foco de cursos, palestras, artigos em revistas. Todos ensinam como extrair a maior quantidade de gozo sexual possível nas relações íntimas entre os parceiros. Para tal, saem de cena a moralidade e pudicícia vitorianas dando lugar à exploração das zonas erógenas, de tal maneira que Freud não hesitaria em considerá-las como perversas. Na prática constata-se que a ampliação da visão sobre a sexualidade, ao retomar as zonas de prazer da infância, enriquece o cardápio da sexualidade adulta, desde que haja um acordo entre os parceiros no qual o desejo do outro é levado em consideração. Só assim é aceitável uma infinidade de condutas cujo objetivo é o prazer.
 
Referências Bibliográficas
ZIMERMAN, E. David Fundamentos Psicanalíticos, Teoria, Técnica e Clínica. Editora Artmed, Porto Alegre, 1999.
MIJOLLA de  Alain. Dicionário Internacional da Psicanálise Volume I e II. Editora Imago.
FERRAZ, Carvalho. Perversão na Clínica Psicanalítica.

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